terça-feira, 23 de julho de 2013

"O poeta chorava...", de Mário Cesariny

O poeta chorava
o poeta buscava-se todo
o poeta andava de pensão em pensão
comia mal tinha diarreias extenuantes
mas buscava uma estrela  (talvez a salvação?)
O poeta era sinceríssimo honesto total
raras vezes tomava o eléctrico
em podendo
voltava
não podendo
ver-se-ia
tudo mais ou menos
a cair de vergonha
mais ou menos
como os ladrões

E agora o poeta começou por rir
rir de vós ó manutensores
da afanosa ordem capitalista
depois comprou jornais foi para casa leu tudo
quando chegou à página dos anúncios
o poeta teve um vómito que lhe estragou
as únicas que ainda tinha
e pôs-se a rir do logro, é um tanto sinistro,
mas é inevitável, é um bem, é uma dádiva.

Tirai-lhe agora os versos que ele próprio despreza,
negai-lhe o amor que ele mesmo abandona,
caçai-o entre a multidão.
Subsistirá. É pior do que isso.
Prendei-o. Viverá de tal forma
que as próprias grades farão causa com ele.
E matá-lo não é solução.
O poeta
O Poeta
O POETA
destroi-vos

(in Nobilíssima Visão; ed. Assírio & Alvim)