terça-feira, 17 de setembro de 2013

"shafftsbury avenue", de Mário Cesariny

Vi um anão inglês e fiquei perturbado
desceu-me a chávena ao peito como quem sofre
julgava ter olhos para tudo e não os tive para isto
um anão inglês a atravessar uma rua inglesa
com um fato à inglesa muito curto
e a mãozinha inglesa a dar a dar

Eu que ainda ontem escrevi um poema
sobre os tamanhos fantasmas dos ingleses
as pernas de oceano dos ingleses
os braços florestais dos ingleses
dei um salto para o chão e entornei a bebida sobre o pedinte
que afinal também há nas casas de chá barato

«Dwarf! Dwarf! burning bright»
«In the forest of the night»

Que nome lhe darão na intimidade?
Vic? Jimmy? Christian Dwarf Road?
Deixá-lo-ão sair para o estrangeiro sem ser de circo?
Quem já viu um anão inglês em Sintra?
Mérida?
Ferrara?
Quem apertou o sexo aos ingleses
e lhes pôs estas caras de infinito langor
apertou também a ti?

«Did He smile His worke to see?»
«Did He who made the Lamb make thee?»


Claro que isto são maneiras

Não vivo como o outro, preso pela espinha
aos caudais da verdade.
De um lado Buckingham Palace
do outro o caso do
profundamente humano.
E seria inglês, este anão?

Não seria italiano?

(in Pena Capital; ed. Assírio & Alvim)

Sem comentários: