O erro, a mesquinhez, o pecado, a tolice,
Excitam-nos o corpo e ocupam-nos o espírito,
Mas sempre alimentamos remorsos felizes
Como os mendigos fazem aos seus parasitas.
Com pecados teimosos e remissões frouxas,
As nossa confissões largamente cobramos,
E ao caminho da lama, contentes, voltamos,
Crendo com choros vis lavar as nódoas todas.
Na almofada do mal está Satã Trimegisto
Que embala devagar a nossa alma encantada
E até o metal rico da nossa vontade
Vai sendo evaporado por esse alquimista.
Os cordéis que nos puxam, prende-os o Diabo!
Vemos que nos atraem as coisas nojentas;
Sem horror, através das trevas fedorentas,
Ao Inferno descemos, cada dia um passo.
Como um devasso pobre que devora e beija
O seio encarquilhado da velha rameira,
Colhemos, ao passar, clandestino prazer
Que como uma laranja moída esprememos.
Como um milhão de vermes, nas nossas cabeças
Enche-se até fartar um povo de Demónios,
E quando respiramos desce-nos a Morte
Aos pulmões, como um rio de surdos lamentos.
Se o estupro ou o veneno, o incêndio, o punhal
Ainda não enfeitaram com desenhos lindos
A banal talagarça dos nossos destinos,
É porque não mostrou arrojo a nossa alma.
Mas no meio de chacais, panteras ou cadelas,
Escorpiões ou macacos, serpentes, abutres,
Monstros que grasnam, rosnam, rastejam e uivam,
Por entre os nossos vícios, galeria abjecta,
Existe um bem mais feio, mais cruel, imundo!
Que, mesmo recusando gestos ou clamores,
Facilmente faria da terra um destroço
E num simples bocejo engoliria o mundo;
É o Tédio! - Com o olhar chorando sem razão,
Vai fumando o cachimbo e sonha cadafalsos.
Conheces bem, leitor, tal monstro delicado,
- Hipócrita leitor, - meu igual, - meu irmão!
(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)