domingo, 19 de setembro de 2010

"Morada", de Margarida Ferra

Habitamos
uma casa quando
a sombra dos nosso gestos
fica mesmo depois
de fecharmos a porta.

(in Curso Intensivo de Jardinagem)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

"Duas horas e cinquenta e cinco minutos", de Margarida Ferra

Cumprida a promessa do ano novo,
pousaram-me sobre a barriga
(quase vazia),

dois pés lilases,

grandes e pequeninos.

(in Curso Intensivo de Jardinagem)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

HOJE HÁ CARACÓIS: excertos de poema de Pedro Tamen

O caracol conhece pouco mundo,
mas é colado a ele
que o conhece.

* * *

Só é lento quem vai mais devagar
que aquilo que deseja.

(excertos do poema "Caracóis", in Retábulo das Matérias, 1956-2001)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

"O funcionário cansado", de António Ramos Rosa


Adriano Luz - "O Funcionário Cansado" from Ricardo Barros Espírito Santo on Vimeo.

Poema dito por Adriano Luz (ideia: Nuno Artur Silva; produção: "Até ao Fim do Mundo"; imagem: João Filipe Rodrigues; realização: Ricardo Espírito Santo)

"Os livros", de Inês Lourenço

Este "post" é dedicado a Inês Lourenço, que teve a gentileza de nos oferecer o seu último livro e a quem o poemapossivel muito agradece.


Os livros duram séculos e
falam da melodia da chuva,
dos rios e dos mares, das fontes,
dos húmidos beijos dos
amantes, mas também

morrem despedaçados num
qualquer temporal que parte
as vidraças e lhes tolhe as páginas
numa brutal invasão líquida.

E falam do fogo
das paixões, de estrelas
a arder no infinito,
mas o convívio das chamas
é-lhes vedado, apesar
da torpe ignorância,
a isso os ter condenado
tantas vezes.

Quantos naufrágios e incêndios
os destruiram, para depois
ressurgirem múltiplos,
audazes, amigos tão antigos e
tão novos.

(in Coisas que nunca)
(ver ainda o blogue da autora: http://logrosconsentidos.blogspot.com)

sábado, 4 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"Para um gato", de Inês Lourenço

Assassinei alguns pardais
mas depois lambia o pêlo
exaustivamente para ser
digno das carícias do dono.

(in Coisas que nunca)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

(Novamente sobre mãos - lembrando-me da tua)

Sei bastante de mãos: falange, falanginha e falangeta,
e o resto estudado.
O rosado das unhas com um brilho
igual ao dos olhos normais.
(Ah, do que as mãos vêem falaremos de outra vez.
E também dos olhos teus, e teus.)
Linhas que não interessam, ou apenas
como à saída de uma grande estação: desconhecidas
quanto ao que prometem.
Carne quanto baste no melhor dos casos.
Veias discretas. Sangue adivinhado.
E os nós: nos promontórios altos
respiram como geysers,
aquecem, lançam setas,
roçam, magoam, contradizem.

Mas é na força que as fecha em concha
e as abre jurando até ao fim do tempo
ou as faz dançarinas pelo ar,
flébeis ou hirtas, aguçadas,
lassas - é no silêncio em que resumem corpos
que gritam ou ciciam o que delas sei.

Pedro Tamen
(in Retábulo das Matérias (1956-2001))