terça-feira, 3 de março de 2015

[Também este crepúsculo nós perdemos], de Pablo Neruda

Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
Porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?

Caiu o livro em que sempre pegamos ao crepúsculo,
e como um cão ferido rodou a minha capa aos pés.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.


(in Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada; trad. Fernando Assis Pacheco, ed. Dom Quixote, 12ª ed., 2003)

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