sábado, 28 de julho de 2012

"Sobre a areia", de Gastão Cruz

Sair do mar deitar
na areia o corpo como se chamasse
o sonho desta noite tão exacto

na reconstituição do que era
oh alucinação da juventude
aproximar os corpos

(in Observação do Verão; ed. Assírio & Alvim, 2011)

domingo, 15 de julho de 2012

Poema de Vasco Gato

Quantas vezes ouvi o meu pai dizer:
não escolhas muito a roupa com que sais.
A bala que contorna a esquina
não se intimida com a beleza.

(in Resumo - a poesia em 2011; ed. Documenta, 2012)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Poema de Rosa Alice Branco

Atrasei-me ou foste tu
que saíste antes da hora?
A chave é um relógio
eternamente certo.

As dúvidas não cabem na fechadura

(in Concerto ao Vivo; ed. & Etc, 2012)

domingo, 8 de julho de 2012

"Partes de um todo", de Luís Filipe Parrado

Esta tarde, sentado num banco do jardim,
tentava ler um livro difícil
enquanto esperava por ti.
O livro tornava mais dura, mais penosa, a espera.
Então levantei os olhos das páginas,
pousei o livro, vi um homem novo
aproximar-se e passar à minha frente
com um saco de plástico
com maçãs vermelhas numa das mãos
e uma caixa de cartão, com ovos, na outra.
O saco de plástico era transparente
e revelava nitidamente o esplendor e a forma
perfeita das maçãs, todas muito juntas
como partes de um todo.
Não consegui deixar de as olhar,
e tu chegaste logo de seguida.
Só agora, depois do jantar
e da loiça lavada, me lembrei do livro
que ficou no banco do jardim.

(in Resumo - a poesia em 2011; ed. Documenta, 2012)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

"Cantiga de amor", de José Miguel Silva

Quero agora fazer um cantar de amor
à maneira provençal, para contar
aos marcianos quanto valem os teus
dedos nas refregas do amor, quando
todas as províncias do meu corpo
se rebelam contra fomes ancestrais.

Mas sinto que se prepara já outro
levantamento popular nas partes
baixas do país. Preciso de acudir
depressa à cama com lençóis lavados,
pôr o banho a correr, preparar tudo
para mais esta insurreição da carne.
Antes que chegues a casa e me
censures por não ter tomado ainda
as providências necessárias.

É lamentável - assim se vê a lírica
ultrapassada, uma vez mais,
pelas ardentes circunstâncias
da realidade. Aceitem os leitores
o meu sincero pedido de desculpas.
Ficará o cantar de amor à maneira
provençal para mais sóbria ocasião.

(in Resumo - a poesia em 2011; ed. Documenta, 2012)

(Uma cúpula de camisas)

Pormenor de peça construída com roupa em segunda mão.