segunda-feira, 15 de junho de 2015

[¿que interessa fazer a barba se é tudo para cremar], de Herberto Helder

¿que interessa fazer a barba se é tudo para cremar,
desde as unhas dos pés aos espelhos soberanos -
Leonardo, Camões, Newton, Amadeus Mozart,
et coetera
que interessa?
uma mulher bem temperada - disse o cozinheiro antropófago,
mãos de assasino sobre as teclas, e algo de muito
puro se criava
- ó mundo, deixa-te entender um pouco
desde nascer a morrer que não entendo nada,
só a música que me embebeda,
mas quero ir mais depressa,
nada de estelas de pedra aproveitadas de um pequeno meteoro
[áspero como o teu nome,
forte como o teu emprego na morte,
e súbito como esse mesmo nome:
ou então nome que nasce:
poalha cega que lentamente assenta no chão raso,
nome contrário

(in Poemas Canhotos; ed. Porto Editora, 2015)

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