quarta-feira, 24 de setembro de 2008

(Interregno ou fim?)

(Tantos os poemas, tantas as possibilidades... comecei, quase sem pensar, o poemapossivel: um espaço onde, de quando em quando, este leitor "anónimo" publicitava algumas das suas leituras, sem despender grande tempo ou energia... Um espaço mais, um espaço apenas, um espaço... Agora, o interregno (ou mesmo o fim). Tinha planeado publicar nos próximos dias alguns versos lidos recentemente: "Lendo o que escreves", de Francisco José Viegas, ou um perturbador poema da Sylvia Plath, cujo título agora me falha. Mas não o farei, agora (pelo menos) não... Levarei o cachorrito a passear noutro relvado - e, quem sabe?, talvez ele ache mais interessante outra coisa que não a poesia!... Não é preciso uma razão para um interregno (ou fim); às vezes acontece porque acontece, mesmo não tendo que acontecer, ou nada o fazendo prever. Consideremos: é tudo igual - e ainda que o não fosse, desta vez será).

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"Poesia é acto", de Remco Campert

Poesia é acto
de afirmação. Afirmo
que vivo e que não vivo só.

Poesia é futuro: pensar
na próxima semana, em outro país
e em ti mesmo quando velho.

Poesia é a minha respiração, empurra
meus pés às vezes hesitantes
sobre a terra que pede movimento.

Voltaire acometido de varíola
salvou-se ingerindo entre outras coisas
120 litros de limonada: isso é poesia.

Ou então a ressaca. Quebrada
nas rochas não se deixa derrotar,
refaz-se: e isso é poesia.

Cada palavra que se escreve
é um atentado contra a velhice.
Afinal a morte vence, isso é certo,

mas a morte é apenas silêncio na sala
depois de ressoar a última palavra.
A morte é emoção.
(in Uma Migalha na Saia do Universo. Antologia da poesia neerlandesa do século vinte, trad. Fernando Venâncio)

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

"Eles", Richard Minne

Eles, as pessoas com dignidade
nesta vida, com chama interior,
andam aí dispersos sobre a terra
e trazem um chapéu inferior.

Caminham asseados, silenciosos,
rente às casas preferem deslizar
e escutam, se possível no Outuno,
os choupos todos a rumorejar.

Espaço não costumam ocupar
como o dourado nas folhas dum livro,
e se acaso o eléctrico vem cheio
o seu lugar é sempre no estribo.

Ontem levei uma pessoa dessas
à estação. Era uma noite assaz
brumosa e fria. O meu cansado amigo
tinha um bilhete de terceira classe.

(in Uma Migalha na Saia do Universo. Antologia da poesia neerlandesa do século vinte, trad. Fernando Venâncio)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Poema de Sebastião Alba

A luz, morosa,
esconde a minha sombra:
vou indigno de nota.

Uma escusa é a melhor dádiva de mim
à língua em que me calo, irreprovável.

Calo?

Com o verso insto, instalo o clima,
amenizando o da região.

(in A Noite Dividida)

domingo, 14 de setembro de 2008

Dois versos de amor de um poema de Mia Couto

(Em dois versos apenas, quantos poemas de amor... Partilho-os com o meu auditório o que considero perfeito).

"E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer".

(versos do poema "O amor, meu amor", in idades cidades divindades)

"Ourogulho", de Mia Couto

Nunca pedi.
Sempre me perdi.
Na eminência do triunfo
eu me esqueci de vencer.

Onde havia escada
eu me furtei ao degrau
preferi o nada
a subir de grau.

Outros são donos,
donos de nomes, títulos
brilhos, proezas e luzes.

Eu, quando sou eu,
é apenas por distracção.

E apenas
para ser ninguém
me sobeja vocação.

(in idades cidades divindades)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

"O dito pelo dito", de Mia Couto

Antes, eu dizia:
não me apetece nada.
E mentia.

Agora, digo:
apetece-me o nada.
E me desminto
para não dizer a verdade.

(in idades cidades divindades)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

"Génese", de Sebastião Alba

Foi assim
Todo o mar que eu via
se precipitou logo no meu coração
Que é de sal

E os peixes cristalizaram
com os olhos mortos
para as suas manhãs refractadas

Escutando bem
ouve-se como ao pé das estátuas
música de uma fanada melancolia.

(in A Noite Dividida)

domingo, 7 de setembro de 2008

(Poema certeiro)

O que se diz nunca é exacto
nenhuma voz nos dita
o que se passa
Por isso a palavra é uma procura
do que nunca se lhe entrega
e é essa separação que a alimenta
e nela se abre o horizonte
do impronunciável


António Ramos Rosa
(in A Intacta Ferida)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Abalo

(Poemas há que, apanhando-nos desprevenidos, nos fulminam, como que nos revelando aquilo que conservamos - quase inacessível - no recanto mais profundo de nós... Isto aconteceu ao autor destas linhas com os versos que se agora publicam: ao início desta madrugada, sussurrando as palavras, um tremendo abalo...)

* * *

Está tão próxima
a nascente
que os nossos lábios a perdem

Tão imediata é a luz
da sua água perene
que os nossos olhos se ofuscam

tão vazia e transparente
tão cúmplice do nosso espaço
que nela somos sem ver
que nela estamos sem estar

António Ramos Rosa
(in A Intacta Ferida)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

«Não desistas, P...»

«(...) a cultura adquirida deve ser partilhada porque foi graças aos outros que a adquirimos. Espalhá-la, sem esperar recompensa, é uma ordem. Sabendo, ainda, que isso pouco ou nada adiantará. Ensina aos teus colegas a "ver", a "ouvir", mas como quem se apaga».

Sebastião Alba
(in Albas)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

(Dias sem poesia: a música que, recuperada do passado, tenho ouvido vezes sem conta)

Nouvelle Vague interpreta "In a manner of speaking" (tema dos Tuxedomoon) em concerto realizado em Malmö em Fevereiro de 2007