sábado, 25 de outubro de 2008

"Manhã de Inverno", de Luís Quintais

O verão entrou pelo inverno adentro.
O céu é azul, sem nuvens.
E no meu pensamento voa a cotovia.

O sol não nos abandonou durante todo o dia.
O sol faz de mim um homem como os outros.
Mas só desta vez,

porque da próxima serei menos que o último dos homens.
Afirmações de senso-comum transportam-nos
até ao verão que há dentro do inverno.

A alma, pobre prefiguração das coisas sem lume,
a alma depõe as enregeladas sombras
que a envolvem

e caminha no contentamento sucessivo das horas.
E desta vez direi para que se não regresse
a estes instantes que tudo encerram

para melhor se perderem:
foi disto que se fez o dia,
este primeiro dia na esquecida memória dos homens:

de uma passagem
para a outra margem do inverno, de uma passagem
para a solenidade do verão.

(in A Imprecisa Melancolia)

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