domingo, 27 de julho de 2008

"O monstro", de Alexandre O'Neill

Meneia o monstro a cauda, sedutor.
Seu rosto podia até estar em flor.

Meneia o monstro a cauda como um gato.
Seus olhos suplicam: quer regaço.

O monstro é bom, o monstro realiza
que em família é outra coisa a vida!

Que é da ferocidade anunciada?
Que é do salto? Que é da garra disparada?

O monstro já me pede para ir à escola,
«como os outros meninos». Esta agora!

O monstro vai à escola, apanha boas notas
e volta, alvoroçado, nas suas oito botas.

O monstro aculturado já se deixa montar,
mas ainda não moro naquele seu olhar.

Naquele seu olhar, que é tão meigo, eu já via
algo assim como uma vaga nostalgia.

Que deseja o monstro que não possa ter,
o monstro que eu mostro a quem o quiser ver?

O monstro protesta sua eterna amizade,
diz-se muito feliz, «se é que há felicidade!».

Mas a mim não me enganas. Dou com ele a chorar.
«Que tens tu, ó Castorim, que não queres confessar?».

«A bem dizer, padrinho, eu não tenho nada.
Sei agora que sou uma besta humanizada.

Mas que hei-de fazer com este meu aspecto?
Como hei-de viver com este mau aspecto?

Ó meu bom padrinho, eu só queria voltar
ao pedregal donde me foi tirar!».

Abraçados, chorámos, e eu, complacente,
deixo o monstro ir embora - e para sempre!

Vossa boa atenção não quero fatigar.
Com a moral costumeira vou aqui terminar.

Nunca façam de um monstro a vossa criação,
que tarde ou cedo vai dar complicação.

(in Coração Acordeão)

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