sábado, 7 de janeiro de 2012

Um poema mais de Amadeu Baptista

Eu era um ser delicado, mas a voz que tinha
estava impregnada de resquícios de profunda grosseria,
quem me ouvisse pensava que eu estava a morrer,
as minhas palavras enchias a jactância do teu peito
e amedrontavam o carinho dos simples que me acompanhavam.

As palavras fluíam da minha boca com o estampido do trovão,
eu praguejava contra tudo e todos,
e as minhas mãos brandiam sobre o ar
uma resoluta fortaleza que não me pertencia.

Eu era um ser delicado, a minha voz tonitruante
dava de mim apenas uma imagem enganadora,
as sílabas com que fulminava quem me ouvia
não eram mais que um último reduto de defesa,
um último pedido de socorro. Porque eu era
um ser delicado.

(in A Arte do Regresso; Campo das Letras, 1999)

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