domingo, 1 de janeiro de 2012

Abrindo o ano com um poema de Amadeu Baptista (com os votos de um feliz ano)

Procuro um texto impossível,
um outro caminho para a salvação.

Procuro a palavra que nos una definitivamente, o poema
escrito no barro da alucinação, a palavra que cresce da terra
e atinge a noite com pancadas de luminosa alegria.

Procuro o teu rosto, a chave do segredo inviolável, a súbita
haste de uma flor com o teu nome, lírio, lume, lucerna, a pressão
sobre a página que vem reabilitar
a memória de que somos feitos.

Procuro os teus lábios, a cálida gruta
das tuas mãos, a árvore da vida, lágrima
e luz transgredindo o trajecto entre uma ausência e outra,
murmúrio e estremecimento.

Procuro os teus olhos, procuro a profundidade dos teus olhos,
a euforia que vive no fundo dos teus olhos, os íntimos
sinais de selvagem serenidade
com que recebes quem te olha nos olhos, a ternura,
a violenta ternura dos teus olhos.

Procuro o espaço onde prolongar o sonho para além da manhã,
o rio subterrâneo que exorciza o abismo, a ave
que grita entre as ravinas das trevas, o esplendor
da planície, a chuva
áugure.

Um barco ou uma pedra,
procuro.

(in Arte do Regresso; Campo das Letras, 1999)

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