terça-feira, 31 de agosto de 2010
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
De Pedro Tamen
Que é isto de silêncio?
Não ouve o marinheiro o mar
e ele ruge. Nem o mar
ouvirá jamais o marinheiro.
Que é isto de silêncio?
O cavador não ouve a cegarrega
nem pressentem ralos e cigarras
o aço da enxada.
Eis o ruído que não é connosco
por de nós ser parte:
- silêncio, pétala arriscada
da flor em tumulto.
Não ouve o marinheiro o mar
e ele ruge. Nem o mar
ouvirá jamais o marinheiro.
Que é isto de silêncio?
O cavador não ouve a cegarrega
nem pressentem ralos e cigarras
o aço da enxada.
Eis o ruído que não é connosco
por de nós ser parte:
- silêncio, pétala arriscada
da flor em tumulto.
(in Retábulo das Matérias (1956-2001))
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Poema de Alberto de Lacerda
Existes
Fora dos meus braços
Como é possível?
Fora dos meus braços
Como é possível?
(in O Pajem Formidável dos Indícios)
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
"Felinus", de Inês Lourenço
A Maria Tobias era preta
e branca. Na parte branca era
Tobias e era Maria na preta. Morou
connosco cinco anos. No sexto, numa
quinta-feira santa pôs-se a dormir
depois de um longo jejum. Ficaram-nos
nas mãos festas desabitadas e os poucos
haveres: uma malga, uma manta, um bebedouro,
que não lográmos enviar
para a nova morada.
e branca. Na parte branca era
Tobias e era Maria na preta. Morou
connosco cinco anos. No sexto, numa
quinta-feira santa pôs-se a dormir
depois de um longo jejum. Ficaram-nos
nas mãos festas desabitadas e os poucos
haveres: uma malga, uma manta, um bebedouro,
que não lográmos enviar
para a nova morada.
(in Coisas que nunca)
domingo, 22 de agosto de 2010
(Love Theme)
"Ennio Morricone conduz "Love Theme", da banda sonora por ele composta para "Cinema Paraíso""
sábado, 21 de agosto de 2010
"Sala provisória", de Inês Lourenço
Nunca se sabe
quando estamos num lugar
pela última vez. Numa casa
que vai ser demolida, numa sala
provisória que vai encerrar, num velho
café que mudará de ramo, como
página virada jamais reaberta, como
canção demasiado gasta, como
abraço tornado irrepetível, numa
porta a que não voltaremos.
quando estamos num lugar
pela última vez. Numa casa
que vai ser demolida, numa sala
provisória que vai encerrar, num velho
café que mudará de ramo, como
página virada jamais reaberta, como
canção demasiado gasta, como
abraço tornado irrepetível, numa
porta a que não voltaremos.
(in Coisas que nunca)
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
"Na noite de Madrid", de Ruy Belo
Na noite de Madrid eu vi um homem morto
Jazia ali como uma afronta para os vivos
que voltavam dos bares com música nos olhos
com estrelas na testa e festa nos ouvidos
e passavam de táxi a boa velocidade
Há quanto tempo o homem jazeria ali
à superfície escura do asfalto
já meio devolvido à terra nossa mãe?
Não o cobria o manto dos heróis
nenhum clarim tocara em sua honra
Como o confortaria a santa madre igreja?
Tombara apenas imolado ao dia-a-dia
Pagara com a vida a paz da consciência
de toda uma cidade que dormia
E ele crescia alastrava na estrada
e assumia inesperadas proporções
quando há bem pouco ainda se reduzia ao dia
Quem seria? Quem fora?
Que jornal conteria a imensidão do nome
de quem como um insulto ali jazia?
Que pensamentos próximos tivera?
E o que levaria ele nos bolsos?
Donde viria? Sorriria? Onde ia?
Fora criança? Sonharia ser feliz?
Mudaria de vida na manhã seguinte?
Brincara alguma vez naquela mesma rua?
Fora criança ali onde profundamente o vi?
Teria soluções para problemas que tivesse?
Seria porventura um bom chefe de família?
Disporia da consideração da vizinhança?
Era bom funcionário? Homem de futuro?
Mas já naquele momento o rosto lhe cobriam
pois não conseguiria ver nem as estrelas
nem ao menos a luz dos citadinos candeeiros
Havia curiosos e polícia havia uma ambulância inútil
para quem como cama só teria a pedra fria
«Aonde vai?» - perguntou-me o homem do táxi
«- Eu tenho cinco mil pesetas - respondi-lhe
Leve-me pelas ruas da cidade até nascer o sol
talvez ele possa dizer-me alguma coisa
daquelas muitas coisas que gostava de saber
(o sol é hoje uma das minhas poucas soluções)
Passe longe do corpo por favor»
Lembrei-me de leituras soterradas
de súbito subiram-me à memória cenas esquecidas
Samaritano eu? Mais um levita
que calmo procurava a promessa do dia
Inquietação ou pena? Sombra de metafísica?
Política? Moral? Lição? Comportamento?
Queria alguma coisa? Não sabia
Posso-vos garantir que não sabia
Só sabia que olhava e nenhum mar havia
Jazia ali como uma afronta para os vivos
que voltavam dos bares com música nos olhos
com estrelas na testa e festa nos ouvidos
e passavam de táxi a boa velocidade
Há quanto tempo o homem jazeria ali
à superfície escura do asfalto
já meio devolvido à terra nossa mãe?
Não o cobria o manto dos heróis
nenhum clarim tocara em sua honra
Como o confortaria a santa madre igreja?
Tombara apenas imolado ao dia-a-dia
Pagara com a vida a paz da consciência
de toda uma cidade que dormia
E ele crescia alastrava na estrada
e assumia inesperadas proporções
quando há bem pouco ainda se reduzia ao dia
Quem seria? Quem fora?
Que jornal conteria a imensidão do nome
de quem como um insulto ali jazia?
Que pensamentos próximos tivera?
E o que levaria ele nos bolsos?
Donde viria? Sorriria? Onde ia?
Fora criança? Sonharia ser feliz?
Mudaria de vida na manhã seguinte?
Brincara alguma vez naquela mesma rua?
Fora criança ali onde profundamente o vi?
Teria soluções para problemas que tivesse?
Seria porventura um bom chefe de família?
Disporia da consideração da vizinhança?
Era bom funcionário? Homem de futuro?
Mas já naquele momento o rosto lhe cobriam
pois não conseguiria ver nem as estrelas
nem ao menos a luz dos citadinos candeeiros
Havia curiosos e polícia havia uma ambulância inútil
para quem como cama só teria a pedra fria
«Aonde vai?» - perguntou-me o homem do táxi
«- Eu tenho cinco mil pesetas - respondi-lhe
Leve-me pelas ruas da cidade até nascer o sol
talvez ele possa dizer-me alguma coisa
daquelas muitas coisas que gostava de saber
(o sol é hoje uma das minhas poucas soluções)
Passe longe do corpo por favor»
Lembrei-me de leituras soterradas
de súbito subiram-me à memória cenas esquecidas
Samaritano eu? Mais um levita
que calmo procurava a promessa do dia
Inquietação ou pena? Sombra de metafísica?
Política? Moral? Lição? Comportamento?
Queria alguma coisa? Não sabia
Posso-vos garantir que não sabia
Só sabia que olhava e nenhum mar havia
(in Todos os Poemas, vol. III)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
(Pensando num epitáfio)
(Há uns dias atrás, pensava com os meus botões - eram principalmente os botões a pensar, devo admitir - num epitáfio adequado ao poemapossivel. Desenhei vários dentro do pensamento - uns curtos, outros algo mais que curtos, uns calorosos, e outros frios como mármore de cemitério - sei bem que a imagem é banal, mas não quero escamotear a minha própria banalidade. A morte do poemapossivel? Julgo que não é isso que pretendo - pelo menos para já. Mas, às vezes, por ser cada vez menos o vagar para o continuar, ou por sentir que este espaço é excessivamente inócuo, penso no seu fim. "O poema deixou de ser possível"? Ainda não, ao que parece.)
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
"Soneto amoroso", de Francisco Quevedo
__Pássaro mais sozinho, à dor atreito,
onde se viu, nem fera em monte ou prado?
Deserto estou de mim, abandonado
por minha alma, em lástima desfeito.
__Chorarei sempre meu maior proveito;
mágoas serão e fel o pão tragado;
a noite anseio, o repouso cuidado,
e duro campo de batalha o leito.
__Face da morte, o sono me perverte
e vence em mim a morte em aspereza,
pois que me impede o sumo bem de ver-te.
__Que tanto é teu fulgor, tua beleza:
se a Natureza assim pôde fazer-te,
milagres fazer pode a Natureza.
onde se viu, nem fera em monte ou prado?
Deserto estou de mim, abandonado
por minha alma, em lástima desfeito.
__Chorarei sempre meu maior proveito;
mágoas serão e fel o pão tragado;
a noite anseio, o repouso cuidado,
e duro campo de batalha o leito.
__Face da morte, o sono me perverte
e vence em mim a morte em aspereza,
pois que me impede o sumo bem de ver-te.
__Que tanto é teu fulgor, tua beleza:
se a Natureza assim pôde fazer-te,
milagres fazer pode a Natureza.
(in Antologia Poética)
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
"Verdes são os campos", de Luís de Camões
Para a AJ
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
"Desenganado da aparência exterior com o exame interior e verdadeiro", de Francisco Quevedo
__Vês tu este gigante corpulento
que solene e soberbo se reclina?
Pois por dentro é farrapos e faxina,
e é um carregador seu fundamento.
__Com sua alma vive e é movimento,
e onde ele quer sua grandeza inclina;
mas quem seu modo rígido examina
despreza tal figura e ornamento.
__São assim as grandezas aparentes
da presunção vazia dos tiranos:
fantásticas escórias eminentes.
__vês que, em púrpura ardendo, são humanos?
As mãos com pedrarias são diferentes?
Pois dentro nojo são, terra e gusanos.
que solene e soberbo se reclina?
Pois por dentro é farrapos e faxina,
e é um carregador seu fundamento.
__Com sua alma vive e é movimento,
e onde ele quer sua grandeza inclina;
mas quem seu modo rígido examina
despreza tal figura e ornamento.
__São assim as grandezas aparentes
da presunção vazia dos tiranos:
fantásticas escórias eminentes.
__vês que, em púrpura ardendo, são humanos?
As mãos com pedrarias são diferentes?
Pois dentro nojo são, terra e gusanos.
(in Antologia Poética; trad. José Bento)
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Quatro versos de Ruy Belo
Eu nunca estive em roma e muito menos hoje
onde pressinto estar porque cá estou
mas donde nunca estive tão ausente
pois donde estou mais longe é sempre donde estou
onde pressinto estar porque cá estou
mas donde nunca estive tão ausente
pois donde estou mais longe é sempre donde estou
(versos do poema "A sombra o sol", in Todos os Poemas, vol. III)
terça-feira, 3 de agosto de 2010
domingo, 1 de agosto de 2010
(Às vezes)
(Às vezes, tropeçamos; ou acordamos agitados com a suspeita de um sonho menos bom; temos sustos da manhã para a noite; receamos mil desfechos negativos; em suma, sentimos medo; e relembramos a nossa insignificância. Perguntamo-nos: ainda haverá poesia?)
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