segunda-feira, 12 de agosto de 2013

[bic cristal preta doendo nas falangetas], de Herberto Helder

bic cristal preta doendo nas falangetas,
papel sobre a mesa,
a luz que vibra por cima, por baixo
a cadeira eléctrica que vibra,
e é isto:
electrocutado, luz sacudida no cabelo,
a beleza do corpo no centro da beleza do mundo:
pontos de ouro nas frutas,
frutas na luz escarpada,
clarões florais atrás de paredões de água,
água guardada no meio das fornalhas
- isto que, sentado eu na minha cadeira eléctrica,
entra a corrente por mim adentro e abala-me,
e com perícia artífice deixa no papel
o nexo estilístico entre
o terso, vívido, caótico e doce:
e o escrito, o carbonífero, o extinto,
o corpo

(in A faca não corta o fogo; ed. Assírio & Alvim, 2008)

Sem comentários: