segunda-feira, 3 de junho de 2013

(A poesia é um vício caro - reprise)

(Um novo livro de Herberto Helder é indubitavelmente um acontecimento. A sua obra tem um papel de destaque na poesia portuguesa contemporânea, em parte - na minha modesta opinião - pela elevação e quase sacralização da poesia.
O poeta, com os seus 82 anos, tem publicado muito espaçadamente as suas últimas obras poéticas, impondo, a quem o publica, uma edição única com, por consequência, um número limitado de exemplares. Em 2008, com A Faca Não Corta o Fogo, os três mil exemplares impressos - sendo que em Portugal são raríssimas as edições de poesia a atingir o milhar - esgotaram em cerca de um mês (na altura falou-se que parte dos exemplares havia sido açambarcada por uns quantos alfarrabistas, em vista de maiores ganhos); este seu novo livro, Servidões, seguindo o mesmo modelo, foi anunciado em cima da data de lançamento e, numa pouco inocente e nada dissimulada estratégia de marketing, publicitado como passível de esgotar rapidamente - o que parece, de facto, destinado a acontecer.
Entretanto já pude ler na imprensa vários textos (noticias mas também recensões), e todos parecem passar ao lado de um aspeto - o preço (talvez por ser pouco literário falar destas coisas). O livro, com cerca de 130 páginas, custa vinte e dois euros. É certo que quase todos os livros de poesia são caros - comparados com os de outros géneros literários (frequentemente, livros de sessenta ou setenta páginas aparecem nas livrarias a dez euros) -, mas tenho que referir que o preço me parece algo exagerado. E aqui parece haver uma contradição (resta saber se com a conivência declarada do autor, ou somente com a sua tolerância ou indiferença), entre a pureza poética da escrita do autor e o caráter excessivamente mercantil (esta parcela da obra transforma-se num livro gritantemente preso à condição de produto, peça a ser vendida em busca do máximo lucro e/ou por vezes comprada como investimento a rentabilizar).
Seguramente que o livro não chegará a muitos dos potenciais leitores de Herberto Helder (talvez seja essa a sua vontade), muitos deles provavelmente com um interesse genuíno, sincero e - se se quiser - puro. O livro, que procurarei ler, poderá ser eventualmente estruturante no conjunto da obra, mas a contradição entre poesia e lucro mancha um pouco o acontecimento).