sexta-feira, 10 de maio de 2013

"Ainda a rainha depois de morta", de Armando Silva Carvalho

Arranca corações, esse punho cruel
que vem fustigando a história
dos amantes e chega até aos púlpitos, tronos,
e matérias de arte.

Na pedra burilada, os anjos muito agudos
pecam por desvelo.
Nas naves ressoa o bramar enrolado em raiva
da realeza sepulta:
eu amei-a viva, vocês venerem-na morta.

Foi um punho cruel.
Talvez houvesse um sexo absoluto em tanto movimento
de ouro, brocado,
soluços ébrios de temor ou de outra natureza
mais embevecida.

A história neste caso é sedutora:
traz o poder ao sol duns seios, à luz duma vagina,
abre a flor dos sentidos, desfeita
a golpes de espada,
de traição.

Aqui neste frio erguido ao redor das naves
a matéria humana
que percorre viva a tarde histórica
tem pressa de fugir
ao pesadelo:
o amor não mata, ninguém o assassina,
é ele e só ele que se expõe
já morto.

(in Resumo - a poesia em 2012; ed. Documenta, 2013)