sábado, 7 de maio de 2011

"Deslição de Anatomia", de Mia Couto

Quase fui médico.
Cedo acreditei
ter inclinação.
Aconteceu, em menino,
frente aos compêndios escolares.
Fascinava-me,
no corpo humano,
o vocabulário em flor:
o suco gástrico,
o bolo alimentar,
o trânsito intestinal,
as papilas gustativas.

Ante o meu prematuro pasmo,
a professora vaticinou: vai ser médico!
Em casa, porém,
meu pai diagnosticou diverso:
não era a anatomia que me atraía.

Eu apenas amava as palavras.

Meu pai adivinhava.
E eu, de poesia, adoecia.

(in Tradutor de Chuvas)

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