Tenho quanto mal mereço
Pois m'aventurei senhora
A quanto sem vós padeço,
Co que passo e co que sinto
A mi mesmo desconheço
Somente em tristezas vivo
Nenhum prazer já conheço,
Com cuidados sempre acordo
Com cuidados adormeço,
Sonhou cousas espantosas
Nunca quieto amanheço,
com mil medos passo o dia
Com mil medos anouteço,
Acho-me sempre entre tristes
Nunca entre alegres pareço,
Tudo o que me faz mais triste
É ante mim de mor preço,
As mágoas que mais me seguem
Contra mim as favoreço,
O que soía alegrar-me
De todo agora avorreço
Vou-me ò longo d'ũa praia
Porque ali mais m'entristeço
Coas ágoas que m'apartaram
Dos olhos a que odebeço
Em sofrer danos sem fim
A que eles deram começo,
Se quer alguém consolar-me
Logo lhe desapareço,
Quando a saudade mais segue
A mim me desfavoreço,
E o peito todo lhe entrego
Toda a vida lhe ofereço
Por ver se com sua força
De minhas forças faleço,
Mas a morte não me quer
De novo em meus danos creço,
E porque os sinto por vós
Nunca lhes desobedeço,
Ergo a vós os pensamentos
Mas logo deles me deço,
Que entre tantas maravilhas
De todo logo esvaeço,
Co que em mim sinto e em vós vejo
Cuido de mim que endoudeço,
Mas inda que este bem me falta
Inda mal que o desmereço.
(in 366 Poemas que Falam de Amor; org. de Vasco Graça Moura)