terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Variação sobre dois versos de Ruy Belo

«O portugal futuro é um país/aonde o puro pássaro é possível».
Assim começa o poema de Ruy Belo (poema de antologia) que há dias se publicou neste blogue. O autor destas linhas insiste com tais versos porque - e não querendo transviar para outras águas - dias há, como o de hoje, em que não consegue crer na possibilidade de tal "puro pássaro" acontecer no Portugal (ou portugal) futuro...
Política, pensarão alguns. Esclarece-se: não exactamente, ainda que também um pouco. Em todo o caso, hoje - e sem querer reescrever o que Ruy Belo tão perfeitamente fechou - sentimos algo um pouco diferente: «O portugal futuro é um país/aonde o puro pássaro é urgente».

domingo, 27 de janeiro de 2008

Eu queria agradecer-te, Galileu...

Apontamentos sobre uma pública conversa informal com uma Poetiza

A Poetiza escreve à noite - ou melhor, procura a Poesia depois de levantar a mesa e arrumar os pratos lavados, de preparar a aula de literatura do dia seguinte. Prefere o lápis e a folha A4; o computador, confessa, é apenas uma ferramenta para o trabalho não-poético. Mas - adivinho - nem sempre que a procura a Poesia vem (assim acontecerá com todos os que não são meros arrumadores de palavras e decoradores de sonoridades e ritmos).
Não, a Poesia acontece naturalmente, e o primeiro acto de escrita pode acontecer no momento menos provável - no engarrafamento, numa conversa, numa aula. À noite, então, o apurar (se houver matéria para tanto), o destruir (se for esse o caso), o purificar (nas duas situações anteriores).
Sem muitas novidades - talvez -, ainda assim valeu a pena ouvir o que nos quis dizer a Poetiza.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

"Não posso adiar o coração", de António Ramos Rosa

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração


(in Antologia Poética)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Poetas "queixinhas"

O Poeta que se queixa da sua "malfadada sorte", por ter que expulsar para o papel a Poesia que explode dentro de si... constitui, para mim, uma violência, um atentado ao bom gosto, uma deselegância à Poesia.
O Poeta - o Poeta que é mesmo Poeta - não tem que se queixar. Se escreve poemas, muito bem - os leitores lerão esses versos e formarão a sua opinião (mais ou menos fundamentada ou culta); e ainda que me interesse muitíssimo o processo de criação, sempre me vai arreliando ler os "queixinhas"...

O'Neill e a modernidade na poesia

«(...) a nível do que poderemos considerar "adereços", não se esqueça de que a entrada da locomotiva na poesia se passou muitas décadas depois dos comboios andarem em circulação. Com o avião aconteceu o mesmo. A aclimatação da modernidade ou dos seus símbolos pela literatura é sempre mais lenta do que todos nós queríamos».
Alexandre O'Neill
(cit. Maria Antónia Oliveira, Alexandre O'Neill. Uma biografia literária, p. 267)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O'Neill na primeira pessoa


«Sou parecidíssimo com a minha poesia. Mesmo no dia-a-dia, no próprio trabalho. Entre a minha expressão coloquial e a minha expressão poética, não há distância. A diferença será de intensidade (...)».

Alexandre O'Neill
(cit. Maria Antónia Oliveira, Alexandre O'Neill. Uma biografia literária, p. 194)

domingo, 20 de janeiro de 2008

Portugal Futuro, de Ruy Belo

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e lhe chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

(in Todos os Poemas, vol. I)

O prazer do poema possível

O prazer do poema possível.
Neste verso sem poema - e, por conseguinte, sem autor - se resume o meu projecto para este blogue.
Deambular pelas palavras, imagens, ritmos, e porque não pelas ideias e pelas personalidades que, num ou noutro contexto, escreveram.
Partilhar o que leio - nunca, mas nunca, o que não leio - e o que me agradou, por este ou por aquele motivo (e quanta distância pode haver entre eles!).
Reflectir - por palavras de outros ou próprias - no sentido da escrita (sentido de acção, de vida).
E não improviso mais intenções - que o meu prazer se multiplique.