nada do que te disser
abalará o matadouro ou a fornalha
o silêncio seria uma hipótese administrativa
mas suspendo-o porque quero viver
o meu epitáfio esteve sempre escrito
nas linhas que suturam a tua ferida
nos bafos que levam
e fazem pousar as cinzas
é bom que o saibamos
antes e depois dos holocaustos
se desprezarmos as palavras
tudo é transmissível – tudo se assemelha
emergem némesis siamesas
e oposições forjam-se do mesmo veio
por isso calo o silêncio
dos rituais e da burocracia higiénica
– cicatriz à tua ilharga
é chaga minha
– o que te faz arder
é o que me fará recordar
(in 70 poemas para Adorno; ed. Nova Delphi, 2015)