quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Paráfrase", de Pedro Mexia

Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.

A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.

Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.

(in 366 Poemas que Falam de Amor; org. de Vasco Graça Moura)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"Corpos", de José Jorge Frade

Teu corpo é arco
na ponta dos meus dedos
três leves polpas
na flor da minha mão
com que inflamo a manhã
no teu ventre.

mergulhado
nos teus braços
envolto em lábios,
em perfume.

em beijos,
na água do teu pescoço
brando de rosas
nos picos doces
no peito leve.

Quando somos amor
nossos corpos são arcos

(in Efémeros Vestígios)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Dois versos de Maria Ângela Alvim

("Um poema podem ser dois versos")

Beijaram-me o rosto asas de borboleta
e se tingiram das cores do ocaso.

(in Superfície, Toda Poesia)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Quadra de Maria Ângela Alvim

Os finos dedos do vento
contaram os meus cabelos.
Meu corpo é o violino
nos leves dedos do vento.

(in Superfície, Toda Poesia)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Poema de Helder Moura Pereira

Triste como a arvore abandonada,
deixada ali numa praça, sem chuva
e sem resguardo, toda mijada
de cães magros e molhados.
Triste é o dia e triste é a tarde
e triste estava, pobre de si, coitado.
Não sabia porquê, eram dias
e tardes inteiras, noites.
Já se sonhara numa coluna
de soldados, já se vira um cobarde
num convento, ladrão - e louco.
Se lhe diziam a verdade fazia-se
mouco. Ou morto, árvore
que teve os seus dias e caiu.

(in Um Raio de Sol)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

"Poema da oferta e da procura", de José Jorge Frade

(Num interstício do trabalho - que ameaça prolongar-se noite dentro -, a frágil claridade de um poema).

poesia
é inutilidade
imaterialidade pura

preciosa pedra
em todos os mercados perseguida

pontiaguda ou polida,
oferta sempre negada
a cada poeta que a procura

(in Efémeros Verstígios)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

(A little bit blue)


Chet Baker interpretando "Time after time"

"Amor como em casa", de Manuel António Pina

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraidíssimo precorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde no café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

(in 366 Poemas que Falam de Amor; org. de Vasco Graça Moura)