terça-feira, 29 de setembro de 2015

[Sempre construíste pensamentos], de Richard Zimler

Sempre construíste pensamentos
desde que nasceste:
é tempo de os deixar cair.

* * *

You have juggled thoughts
without pause since you were born:
Time to let them fall.

(in A Voz do Amor: 72 Haiku Cabalísticos / Love's Voice: 72 Kabbalistic Haiku; ed. AL, 2015)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

"Os mochos", de Charles Baudelaire

Sob alguns teixos que os abrigam
Lá estão os mochos, enfileiram;
Tal como os deuses estrangeiros,
Dardejam o rubro olhar. Meditam.

Sem se mexer lá ficarão
Até à hora melancólica
Em que, empurrando o oblíquo sol,
As trevas se estabelecerão.

Essa atitude ensina ao sábio
Que neste mundo há que temer
Todo o tumulto e movimento;

O ébrio das sombras que passam
Arrastará sempre o castigo
De outro lugar ter pretendido.

(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

[A tua alma começará], de Richard Zimler

A tua alma começará
a sentir a sua profundidade
quando deixares de fugir do silêncio.
 
* * *
 
Your soul will begin
to sense its depth when you stop
running from silence.
 
 (in A Voz do Amor: 72 Haiku Cabalísticos / Love's Voice: 72 Kabbalistic Haiku; ed. AL, 2015)

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

(O primeiro livro de poesia de um romancista)

(O poemapossivel agradece a gentileza de Richard Zimler pela oferta deste seu livro de estreia no domínio da Poesia. Folheadas sem rumo as páginas deste volume, já se vislumbraram alguns poemas que muito enriquecerão este vosso blogue.)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

"Os gatos", de Charles Baudelaire

Os férvidos amantes e os austeros sábios
Na idade madura, ambos sabem amar
Os gatos fortes, meigos, orgulho do lar,
Que, tal como eles, são friorentos, sedentários.

Amigos da volúpia e também da ciência,
Procuram o horror das trevas, o silêncio;
E tê-los-ia o Érebo por corcéis fúnebres
Se um dia à servidão dobrassem o orgulho.

Adoptam ao sonhar as nobres atitudes
Das esfinges deitadas nos confins do mundo,
Parecendo adormecer no seu sonho sem fim;

Há mágicas centelhas nos seus rins fecundos
E alguns farrapos de oiro, alguma areia fina,
Estrelando vagamente as místicas pupilas.

(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

[Teus olhos de quem não quer], de Fernando Pessoa

Teus olhos de quem não quer
Procuram quem eu não sei.
Se um dia o amor vier
Olharás como eu olhei.

(in Quadras e Canções de Beber; ed. Planeta DeAgostini/Assírio & Alvim, 2006)

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

[Se há uma nuvem que passa], de Fernando Pessoa

Se há uma nuvem que passa
Passa uma sombra também.
Ninguém diga que é desgraça
Não ter o que se não tem.

(in Quadras e Canções de Beber; ed. Planeta DeAgostini/Assírio & Alvim, 2006)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

[Todos os dias que passam], de Fernando Pessoa

Todos os dias que passam
Sem passares por aqui
São dias em que só passa
O estar a esperar-te a ti.

(in Quadras e Canções de Beber; ed. Planeta DeAgostini/Assírio & Alvim, 2006)

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

"O morto prazenteiro", de Charles Baudelaire

Onde haja caracóis, numa terra fecunda
Onde estenda à vontade o meu velho esqueleto,
Desejo eu mesmo abrir uma cova profunda
E como um tubarão dormir no esquecimento.

Odeio os mausoléus, odeio os testamentos,
E em vez de suplicar as lágrimas do mundo,
Preferia convidar os corvos lazarentos
A sangrar cada naco da carcaça imunda.

Sem ouvidos nem olhos, vermes! companheiros,
Vede a ir ter convosco um morto prazenteiro;
Filhos da podridão, filósofos da estúrdia,

Sobre as minhas ruínas ide sem remorsos
E dizei se ainda existem algumas torturas
Prò meu corpo sem alma e bem morto entre os mortos!

(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

[Todas as coisas que dizes], de Fernando Pessoa

Todas as coisas que dizes
Afinal não são verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
Isso é a felicidade...

(in Quadras e Canções de Beber; ed. Planeta DeAgostini/Assírio & Alvim, 2006)

sábado, 5 de setembro de 2015

[Estava eu numa noite com uma atroz judia], de Charles Baudelaire

Estava eu numa noite com uma atroz judia,
Como ao pé de um cadáver um outro estendido,
E então pus-me a pensar, junto ao corpo vendido,
Nessa triste beleza de que eu prescindia.

E logo lhe evoquei a inata majestade,
A graça do olhar tão cheio de vigor,
Os cabelos, parecendo um elmo perfumado,
Cuja recordação me desperta o amor.

Pois com fervor teria beijado o teu corpo
Desde os viçosos pés até às tranças negras,
Pra te mostrar o cofre das maiores carícias,

Se uma noite num choro espontâneo, sem esforço,
Ó rainha cruel! conseguisses ao menos
Turvar o resplendor dessas frias pupilas.

(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"Parábola das mãos", de Juan Manuel Roca

Esta mão pega num fruto,
A outra afasta-o.
Um mão recebe o falcão, tira uma luva,
A outra afugenta-o, pega numa tocha.
Uma mão escreve cartas de amor
Que a seua equívoca siamesa enche de injúrias.
Uma mão bendiz, a outra ameaça.
Uma desenha um cavalo,
A outra, um puma que o assusta.
Pinta um lago a mão direita:
Afoga-o num rio de tinta, a esquerda.
Uma mão desenha a palavra pássaro,
A outra escreve a sua jaula.
Há uma mão de luz que constrói escadas,
Uma sombra que solta degraus.
Mas chega a noite. Chega
Quando cansadas de se agredir,
Fazem trégua na sua guerra,
Porque procuram o teu corpo.

(in Os Cinco Enterros de Pessoa; trad. Nuno Júdice, ed. Glaciar, 2014)

[As verdades são mentiras], de Fernando Pessoa

As verdades são mentiras
Porque é gente quem as diz
As tristezas - se m'as tiras,
Como é que hei-de ser feliz?

(in Quadras e Canções de Beber; ed. Planeta DeAgostini/Assírio & Alvim, 2006)