terça-feira, 30 de abril de 2013

(A generosidade de Casimiro de Brito)

(Uma generosa oferta de um poeta que muito admiro. A explorar muito em breve.)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Poema de Al Berto, retirado de um dos seus diários

lentamente,
a solidão pernoitou no lume
florido dos trópicos e
na luz de Lisboa enterraste os mortos
para melhor cuidar dos vivos e esquecer a guerra

os poemas adormeceram no desassossego do corpo e da alma
depois veio o movimento errante
da noite e da longínqua África assola-te a memória.
foi o regresso ao cais de Alcântara
com a vida toda cheia de buracos de balas
e de saudade.

(excerto de "Diário 1995-1997", in Diários; ed. Assírio & Alvim, 2012)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

(Dia da Liberdade)

(Hoje o poemapossivel tem no pensamento todos aqueles poetas que, apesar da censura (no passado ou no presente, aqui ou noutros lugares), não deixaram de cantar).

quarta-feira, 24 de abril de 2013

"Foi para isso que os poetas foram feitos", de A. M. Pires Cabral

semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idónea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos

(in Resumo - a poesia em 2012; ed. Documenta, 2013)

terça-feira, 23 de abril de 2013

(Dia Mundial do Livro)

(Pessoa escreveu: «Ai que prazer / não cumprir um dever. / Ter um livro para ler / e não o fazer! / Ler é maçada, / estudar é nada. / O sol doira sem literatura. / O rio corre bem ou mal, / sem edição original. / (...) Livros são papéis pintados com tinta.»
Mas nada de interpretações literais (uma das coisas que os livros nos dão, se os soubermos escutar, é a capacidade de apurar o espírito crítico): Pessoa era um grande leitor, para além de criador literário - como poderia não amar os livros? Mas é no contrassenso que reside a piada: o poema fala de liberdade de não cumprir um dever; e, de facto, ler, quando é por imposição, pode ser maçada...
Mas também pode ser - para quem se aventure a tal, dispendendo algum tempo e rejeitando o ruído das coisas fúteis que o mundo gratuitamente nos dá - uma fonte de imenso prazer.
)

Ler permite ver mais longe.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

E ainda mais um poema de Casimiro de Brito

Vou comendo bago a bago
as uvas do teu corpo.
Jamais
saciado.
Dentro de mim és um vinho raro
que te devolvo
embriagado.

(in Amar a Vida Inteira; ed. Roma Editora, 2011)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Poema de Casimiro de Brito

Respiro. Ar leve. Até parece
que não estou a morrer. A paisagem
precede o caos
por caminhos que ninguém sabe
se são inóspitos ou
hospitaleiros. Vou
na via do amor verdadeiro:
esse que se compara ao salto do mergulhador
que da rocha se lança ao mar. Quem o pode
travar?
Uns dirão: estás entre o chão e a água.
Outros diriam: entre nascer e morrer.
Intranquilo, o corpo respira.
A chuva que vai caindo
talvez conheça um pouco melhor
o caminho, o único caminho.

(in Amar a Vida Inteira; ed. Roma Editora, 2011)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Um punhado mais de versos de Casimiro de Brito

Do amor, da sua página em branco,
sempre vivi, umas vezes da luz
que dele emana, e tanto me cegou,
outras vezes das penas escuras
que depois amanhecem,
e até cantei.
Caindo e cantando vou morrendo,
em arco me vou dobrando tão devagar
quanto posso: há um lume que me consome
e só em ti me perco e só ela,
a página branca do amor,
me salva.

(in Amar a Vida Inteira; ed. Roma Editora, 2011)

terça-feira, 16 de abril de 2013

(Uma proposta cinematográfica)



(Transpor o "Livro do Desassossego" em filme é um exercício complicado. Especialmente se esse produto cinematográfico seguir de perto o texto de Bernando Soares (já assistira há uns anos a uma adaptação teatral mais ou menos feliz do mesmo texto, encenada por Ricardo Pais).
O "Filme de Desassossego", de João Botelho (um dos cineastas portugueses que sigo com interesse), constitui uma tentativa bastante interessante (e que comunica com a sua primeira película, "Conversa Acabada", sobre a relação entre Pessoa e Sá-Carneiro). Um fotografia sem mácula, uma realização muito boa que, a meu ver, apenas falha um pouco na montagem da segunda metade do filme (existem alguns saltos demasiado bruscos e sem articulação aparente; além disso, dispensava a dramatização da música do Eurico Carrapatoso, registo que me pareceu completamente descontextualizado). Os cenários não podiam ser melhor escolhidos (julgo que Lisboa ganha com este filme), e os múltiplos atores desta "história" (sem história) ajudaram ao resultado final.
)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Mais um belo poema de Ricardo Reis

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no Inverno os arvoredos,
Nem pela Primavera
Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do sol).

Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade
Como quem compõe roupas
O outrora componhamos

Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.

(in Poesia; ed. Assírio & Alvim)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

"A minha língua já não brilha", de Casimiro de Brito

A minha língua já não brilha
na tua boca. Afastas-te nas fendas
do silêncio, refugio-me no mosto de palavras
cansadas. Fomos surpreendidos por pequenos nadas
que nos esmagaram - os dorsos que foram felizes
deitam-se na sombra. Os joelhos secaram.
Os ossos desfazem-se em pó, ah como doem
as pequenas transformações, a origem do vento
que nos separa. A boca morre-me de sede.
Escondes os seios, que foram floridos,
na dobra do lençol. Também eu tenho os olhos abertos
na cama desta noite que nunca mais acaba.
Fechas a porta, apagas a luz e pedes-me
que adormeça a teu lado.

(in Amar a Vida Inteira; ed. Roma Editora, 2011)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

"Está um triste amante esquecendo", de Casimiro de Brito

Está um triste amante esquecendo
os dias que passou com aquela
que tanto ama. Mas como esquecê-la
se toda a sua vida foi feita
de bem querê-la? Ao frágil amante
só lhe resta partir com as águas
e as folhas caídas. Memória
será jangada bastante - e o vento
que a todos sopra.

(in Amar a Vida Inteira; ed. Roma Editora, 2011)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Excerto de Ricardo Reis, para terminar a tarde

(Tenho dificuldade em entender como é possível confundir-se a escrita de Pessoa com o que não é Pessoa. Só muito excecionalmente encontramos uma banalidade na escrita pessoana - mesmo nos textos menores ou menos conseguidos que dele conhecemos, muitas vezes simples rascunhos e inacabados fragmentos, há sempre um claro e rigoroso domínio da língua e uma inteligente conceptualização. Encontro nesta estrofe de Ricardo Reis - um mero jogo de palavras? - aquilo que me fascina em Pessoa: o sublime da sua capacidade expressiva).

(...)
Não entardece que não morra o dia.
Não nasce amor ou fé em nós que não
        Morra com isso ao menos
        O não amar ou crer.
(...)

(estrofe retirada do poema "Cedo vem sempre, Cloe, o inverno, e a dor", in Poesia; ed. Assírio & Alvim)

Mais um poema do Antigo Egito (verdadeiramente intemporal)

Encontro o meu amor a pescar
De pés nos baixios.

Tomamos juntos o pequeno-almoço
E bebemos cerveja.

Ofereço-lhe a magia das minhas coxas
O meu conjuro prende-o.

(in Poemas de Amor do Antigo Egipto; trad. Hélder Moura Pereira; ed. Assírio & Alvim, 1998)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um poema amoroso do Antigo Egito

Andar a mergulhar e a nadar aqui contigo
Dá-me a oportunidade de que eu estava à espera:
Mostrar os meus atributos
Ante olhar apreciador.

O meu fato de banho do melhor material,
De tecido puro,
Agora que ficou molhado
Vê-lhe a transparência,
Como está colado ao meu corpo.

Tenho de admitir que te acho atraente,
Afasto-me a nadar mas logo venho para trás,
A chapinhar, com conversas,
Só desculpas para ter a tua companhia.

Olha! Um peixe doirado a brilhar entre os meus dedos!
Vê-lo-ás melhor
Se te chegares para aqui,
Para o pé de mim.

(in Poemas de Amor do Antigo Egipto; trad. Hélder Moura Pereira; ed. Assírio & Alvim, 1998)

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Poema de Casimiro de Brito

Arrefece triste o sol que me incendiou
os ossos. Entre os amantes
que foram leves e quase luminosos
cai subitamente uma pedra
que num vidro invisível havia.
Ao peso do silêncio
os amantes sangram,
sangram as palavras que não disseram
quando, longe dos pequenos sismos do corpo,
em fragmentos de pó
explodiam.

(in Amar a Vida Inteira; ed. Roma Editora, 2011)