sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

"Biblioteca", de Fernando Guimarães

Os livros invisíveis, a secreta
presença destas fontes onde a água
jorra para ninguém. A transparência
é como outro sentido a que se acresce

aquilo que o vazio nos entrega
ao tornar-se na dobra que marcava
o lugar onde há muito está suspensa
a leitura que fosse como um líquido

que nas mãos se derrame. Ali se vê
o texto que ficasse indecifrável
até que nele possam fixar-se

os nossos olhos que depois esperam
a vinda da palavra que procura
um rumor mais antigo, esta pronúncia.

(in Relâmpago. Revista de Poesia, 29-30; 2012)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

"Fernando Pessoa no Martinho da Arcada", de Abel Neves

ele há coisa mais natural do que um poeta amar o ovo estrelado?
é o que ouço dizer
que Pessoa para além de tudo
passando sem pressa de passar na praça maior do Tejo
sentado no café com versos e odores de mar
gostava de ovo estrelado
dizia que era um sol frito
as coisas que um poeta diz

(in Telhados de Vidro; n.º 16, 2012)

domingo, 20 de janeiro de 2013

(5 anos de poemas)

O poemapossivel completa hoje cinco anos de existência. Pese embora a passagem do tempo, mantém-se - como na mensagem inicial do blogue se escreveu - o prazer do poema possível.
Muitos foram os livros lidos nestes cinco anos, vários os autores descobertos, alguns os poetas que simpaticamente me ajudaram a alimentar este espaço; por tudo isto, posso dizer que é um projeto pessoal e coletivamente ganho. Digo coletivamente porque, sendo este um espaço público, conseguiu tocar e alcançar algumas dezenas de pessoas (pudesse eu atrever-me a dizer centenas!). Com a criação da página no facebook, o poemapossivel tornou-se acessível a novas pessoas, tendo vindo a crescer (embora muito lentamente) o número de interessados. Fico feliz por haver quem goste tanto de poesia como eu, e se reveja nas minhas escolhas.
Claro que tempos houve (e haverá) em que pouca poesia foi publicada - nem sempre há a mesma disposição para as leituras, e nem sempre o acesso a novos livros é fácil (nos últimos meses não me tem sido possível comprar novos livros, o que limita sobremaneira as minhas leituras); porém, quem se interessa por livros, tende a procurá-los nas fontes possíveis - e é esse o caminho que possivelmente sustentará este espaço nos tempos que se seguem.
Em todo o caso, espero que me acompanhem nesta minha jornada. Bem hajam.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

"Eco", de Fernando Guimarães

Que lábios lhe pertencem
se a palavra que chega
vem de nenhum lugar?

(in Relâmpago. Revista de Poesia, 29-30; 2012)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

"Voo", de Maria Teresa Horta

Ela sonha
Ela corre
Ela parte

Ela inventa
E escreve
A madrugada

Ela sai de si mesma
E vai voando
Ele exige o paraíso

Até à alma

(in Poemas para Leonor; D. Quixote, 2012)

domingo, 13 de janeiro de 2013

(Uma fotografia)

 Fotografia de Nuno Ramos (http://www.facebook.com/nunoramosfotografia)

sábado, 12 de janeiro de 2013

Mais um poema de D. Dinis

Pesar mi fez meu amigo,
amiga, mais sei eu que nom
cuidou el no seu coraçom
de mi pesar, ca vos digo
que ant'el querria morrer
ca mil sol um pesar fazer.


Nom cuidou que me pesasse
do que fez, ca sei eu mui bem
que do que foi nom fora rem;
por em sei, se eu cuidasse,
que ant'el querria morrer
ca mil sol um pesar fazer.


Faze-o por encoberta,
ca sei qee se fora matar
ante que a mim fazer pesar,
e por esto sõo certa
que ant'el querria morrer
ca mil sol um pesar fazer.


Ca de morrer ou de viver
sab'el ca x'é no meu poder.

(in Cancioneiro; ed. Teorema, 1997, edição e notas de Núno Júdice)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

"Morte", de Fernando Guimarães

Sabemos que de todas as sementes
é a mais pesada. Havemos de esperar
por ela. Acolhemo-la e nada
podia ser tão nosso. Compreendemos
que no seu interior talvez exista
a última seiva, o rumor de outra
germinação para que fique
junto dela. Descai silenciosa
e devagar. A terra é o nosso corpo.

(in Relâmpago. Revista de Poesia, 29-30; 2012)

sábado, 5 de janeiro de 2013

"Lã", de Fernando Guimarães

O rebanho, a aspereza da lã. Recebemo-la nos teares
para a tornar ali macia. Sentimo-la como se envolvesse
o nosso corpo, sem rugas, transparente. Assim
é que traz o calor há muito esperado, contido
nas pregas, no modo como descai e vem tocar
o chão. Mas a sua aspereza existe ainda e com ela
regressa o que desse rebanho era apenas o caminho
que seguimos de longe até crescer mais este tecido.

(in Relâmpago. Revista de Poesia, 29-30; 2012)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

"Dois cimbalinos escaldados", de Inês Lourenço

Não sei, meu amigo, o que
irradiava mais calor, se
a chávena escaldada, se
o cimbalino fervente, se
as conversas sobre livros de poesia
que nesse tempo, ainda
acreditávamos ser a maior
razão

Curto, normal, cheio
o cimbalino, esse negro odor
com moldura branca
numa mesa de café, na cidade
onde habitávamos desde sempre.

(in Relâmpago. Revista de Poesia, 28; 2011)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

"Se te pareço ausente", de Lya Luft

Se te pareço ausente, não creias:
Hora a Hora a minha dor agarra-se a teus braços,
Hora a Hora o meu desejo revolve os teus escombros,
E escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
Não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
Teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Nem acredites se pensas que te falo:
Palavras
São meu jeito mais secreto de calar.

(in Brasil 2000. Antologia de poesia contemporânea brasileira; ed. Alma Azul, 2000)