sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

(Último poema de 2010)

Hora após hora, dia após dia
entre o céu e a terra que perduram,
vigilantes eternas,
como torrentes que se despenham,
assim passam as vidas.

Devolvei à flor o seu perfume
depois de ter secado;
das ondas que beijam a praia
e que, uma após outra, ao beijá-la expiram,
guardai os rumores, as queixas,
e em placas de blonze gravai a sua harmonia.

Tempos que passaram, prantos e risos,
negros tormentos, doces mentiras,
ai, onde estarão as suas marcas,
ai, onde estará, alma minha?

Rosalía de Castro
(in Nas Margens do Sar)

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Quadra de Rosalía de Castro

Embora o meu coração gele
sinto que me estou queimando;
pois o gelo, algumas vezes,
é como o fogo: arde tanto!

(in Nas Margens do Sar)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Haikus de Casimiro de Brito

O mundo não posso mudar -
deixa-me sacudir a areia
das tuas sandálias

* * *

Não te esqueças de mim,
dizem os homens uns aos outros,
afastando-se

(in Através do Ar)

domingo, 26 de dezembro de 2010

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Poema de Paula Tavares

Havia tantos pássaros
na boca das árvores
que se podia começar o dia
dizendo apenas pássaro
folha manhã

(in Como veias finas na terra)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

(Na via de Casimiro de Brito)

"Trabalho na Arte Pobre, reunião de poemas cada vez mais limpos e nus em que procuro concentrar o "todo" no mínimo. Pobre é de facto a arte do homem, mas não tão pobre como ele próprio - nem tão nefasta. Uma arte, essa busco, onde escavar seja mais relevante que desenvolver, reproduzir. Mais umas noites brancas e o livro, ofício de oleiro, ficará reduzido ao osso. Como convém".

(in Casimiro de Brito, Na Barca do Coração)

["Beijo-a no sono"], de Casimiro de Brito

Beijo-a no sono - beijo-a
mentalmente não vá eu acordar
a luz dos meus dias.

(in Arte Pobre)

(Merry Christmas, Mr. Lawrence)


Ryuichi Sakamoto Trio interpreta o tema "Merry Christmas Mr. Lawrence", da banda sonora do filme com o mesmo nome.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Dois haikus - Casimiro de Brito e Ban'ya Natsuishi


Uma cidade! Um grão
de areia! Fragmentos
da Via Láctea

Casimiro de Brito

* * *

Também a Terra, um grão -
e dele germinou, solar,
um haiku

Ban'ya Natsuishi

(in Através do Ar)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Soneto de Shakespeare

Como voltar feliz ao meu trabalho
se a noite não me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.
Eles dois, inimigos de mãos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dúbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.
Digo ao dia que brilhas para ele,
que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o mel
na sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.

(in Casimiro de Brito, Na Barca do Coração; trad. Carlos de Oliveira)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

(Pas de Deux)

Para ti

Bailarinos do Ballet West (Escócia) interpretam "Pas de Deux", do bailado "Quebra-Nozes". A música é de Tchaikovsky.

domingo, 12 de dezembro de 2010

(Poesia low cost - ou: uma justificação)

(Neste blogue - como felizmente em muito outros - é possível encontrar poesia low cost. Claro está que, para quem continua ainda a depender do livro-papel (dá para ler na esplanada, no comboio, na sala de espera do médico), nem sempre são muito acessíveis os livros de poesia. São quase um luxo - serão talvez um remédio caro para a crise, ou até mesmo para certas formas de pobreza...)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Versos de Casimiro de Brito

Quando livros já não tiver
lerei as estrelas -
quando elas se cansarem
da minha solidão
lerei a palma
da mão.

(in Arte Pobre)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Versos de Rosalía de Castro


Belas são todas as estações
para o mortal quando é feliz;
mas para a alma desolada e órfã
não há estação risonha nem propícia.

(versos do poema "Cálida está a atmosfera", in Nas Margens do Sar; trad. José Carlos González)

domingo, 5 de dezembro de 2010

"Assim eu fosse o seu espelho", de Anacreonte

à AJ

Assim eu fosse o seu espelho
para poder captar o branco do seu olhar!

Assim eu fosse o seu vestido,
envolvendo-a sempre!

Assim eu fosse a água que lava o seu corpo
e o bálsamo perfumado que vai ungi-la!

Assim eu fosse a faixa de linho
que cinge os seus seios
ou o colar que acaricia o seu colo!

Assim eu fosse a sandália
que ela pisa!

(in Casimiro de Brito, Na Barca do Coração)

sábado, 4 de dezembro de 2010

"Ao meu maior amigo", de Alexander Search

Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.

Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.

A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem.

(in Poesia de Alexander Search; trad. Luísa Freire)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

(Através do Ar)

"To my dearest friend", de Alexander Search

When I am dead you'll write - I know you will -
A thoughtful sonnet on my early death,
In which, stating that life but wearieth,
You'll notice how I lie pale, cold, and still.

This in the quatrains, which likewise you'll fill
With some reflections on how soon goes breath
And how the cold and heavy earth beneath
There is an end to living, good or ill.

After this, in the tercets, you will say
That death's a mystery, that nought doth stay,
Perhaps that immortality is true.

Then you will sign and put the date to it.
And, having read again the sonnet, you
Will be content, seeing it is well writ.

(in Poesia de Alexander Search)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

(A gente não lê)


Isabel Silvetre interpreta "A Gente Não Lê" (letra de Carlos Tê; música de Rui Veloso)

Um poema mais de Casimiro de Brito

Apresso-me. O dia
está no fim
mas vou fazer ainda
isto e aquilo. A noite
breve
como a sombra de uma ave
que passa. Apresso-me.
Porquê,
se tudo é nada?

(in Arte Pobre)