quarta-feira, 30 de abril de 2008

terça-feira, 29 de abril de 2008

"A Verdade História", de Ana Luísa Amaral


A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer
a cozinha.

A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.

Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.

Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.

Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memorias.

Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)

(in Minha Senhora de Quê)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril










Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Dia Mundial do Livro

A um livro medíocre, de Luís Quintais

Lê-o até ao fim.
No seu miolo,
círculo inaparente,
jaz sepulta
uma frase,
um milagre,
uma árvore.

(in Canto Onde)

terça-feira, 22 de abril de 2008

Comentários

Aproveito por agradecer os comentários simpáticos que dirigiram para a minha caixa de correio electrónico. Obrigado, caros amigos.
O silêncio que alguns referiram tem que ver com circunstâncias pouco poéticas da minha vida-vidinha, que me abstenho de explanar. A vida-vidinha fez, nos últimos meses, essa explanação por mim (notaram-no uns quantos pela minha ausência nas vossas mesas de café). Daí ter publicado pouco neste meu espaço.
Quanto à minha "urbanidade"... sinceramente, não me ocorrem as palavras adequadas. Digamos, pouco satisfatoriamente, que ser um "rapaz da cidade" (cit.) não será um dos maiores defeitos da espécie humana.
Termino com duas últimas ideias, ainda recorrendo aos vossos comentários:
1) Julgo que é dispensável, havendo a alternativa do correio electrónico, abrir à comunidade de infonautas (e há sempre o "perigo" de um desconhecido parar neste blogue e querer, levando por um impulso, comentar a má impressão causada pelo mesmo) a possibilidade da "janela de comentários" (com moderação ou sem, vai dar ao mesmo).
2) Se não há ligações neste blogue, é porque se pretende que este espaço tenha uma certa austeridade. Digamos: este blogue é assim como um beco sem saída - não vai dar a lado nenhum, o seu interesse é limitado aos seus poucos utilizadores.

Wordsong - "Opiário"

segunda-feira, 21 de abril de 2008

"Andava sempre por aí", de Maria Marcelina

Andava sempre por aí
Nunca disse a ninguém onde morava
O nome da rua, do número, ou o do andar
Direito Esquerdo Frente
Nunca ninguém o viu entrar ou sair
Donde morava
Mas andava sempre por ali
Só veio a saber-se onde morava
Quando morreu
Morava por ali
E morreu ali

(in Poemas de "Ninguém" - Pinturas de Jaime Isidoro)